quinta-feira, julho 21, 2005

Ragga, o Reino de Shabba

Foi com esse título mesmo que o texto foi publicado na Bizz em março de 93, ao lado de dois outros - um assinado por Camilo Rocha, então na equipe da revista (hoje DJ), e outro de Cláudio Campos (produtor, fundador do IMusica). A idéia de incluí-lo aqui surgiu de uma conversa com os batutas da confraria dubbrasil a respeito da contínua perseguição de homossexuais na Jamaica e nas comunidades jamaicanas em outros países. Relendo o texto, reconheço que não esclarece muita coisa, embora dê nomes aos bois e acrescente alguns títulos. Não lembro bem, mas a edição provavelmente truncou um pouco os parágrafos. De qualquer maneira, que se republique assim, sem remix, honrando a História.

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Para contatos com o(s) autor(es): bumbabeat@uol.com.br


SEXO, DROGAS E REGGAE'N'NROLL
Novos astros são politicamente incorretos - como seus antepassados

por Otávio Rodrigues

A bruxa está solta no circo do dancehall reggae! A síndrome do politicamente correto e as ativas brigadas de defesa das minorias descobriram que os ragga boys jamaicanos dizem cobras e lagartos de mulheres e homossexuais, que falam de armas como se estivessem falando de drogas e – para sacudir Bob Marley – festejam toda a glória de morar bem e passear por aí em carros de bacana.
Tudo começou com a explosão do single “Boom Bye Bye”, de Buju Banton, um sebostilhas de vinte anos. A música conta os detalhes comprometedores de um encontro homossexual: “Dois homens abaixam as calças e se abraçam e se deitam numa cama...”. Depois manda firme no refrão: “Atirem neles!”
The cow went to the swamp quando o sucesso ganhou os clubes e alguns hit parades de rádio nos EUA e Inglaterra. Como quase ninguém entende direito o “jamaiquês” desses meninos travessos, duas associações de Nova York – a GLAAD (Gay & Lesbian Alliance Against Defamation) e a GMAD (Gay Men of African Descendent) – mobilizaram a mídia brandindo nas mãos uma versão “decodificada” da letra da música. Deu no que deu.
Em Nova York, “Boom Bye Bye” acabou banida em duas FMs – WBLS e WRKS. O jornal The New York Post tratou do assunto em reportagem de capa. O Village Voice e a I-D também. Shabba Ranks, mito vivo da cultura raggamufin, comprou a polêmica: “Homossexualismo é uma doença, é um procedimento maligno. Porque Deus Todo-Poderoso, Ele mesmo confessa, odeia homossexuais. Na Jamaica, se um cara assim é encontrado em nossa comunidade, a gente apedreja ele até matar”.
Baixaria não é novidade na Jamaica, muito menos no reggae. O Caribe todo, aliás, é dado a certos exageros, a excessos passionais na religião, na política, no futebol, no romance (também temos coisas assim no Brasil). Calipso, zouk, rumba, beguine, soca e vários outros estilos da região, desde sempre pisam com os dois pés nas areias do machismo e da sacanagem.
Com o mento, bisavô do reggae, não foi diferente, e depois no ska, no rock steady. Mesmo nos anos 70 e 80, eras do saneamento básico instituído pelos rastas, a turma dos bad boys manteve-se feliz e altaneira com muito sexo, drogas e reggae’n’roll.
Como nas favelas de Kingston a Bíblia sempre se deu a leituras inesperadas e como os tambores e os bonecos de pano continuam funcionando por lá às sextas-feiras, boa parte dos jamaicanos acredita que os homossexuais – batty boys – são vampiros disfarçados.
As mulheres também não escapam: aquelas entendidas na Jamaica não passam de zami queens, espíritos do mal mandados por algum dos muitos feiticeiros que existem (obeah men).
É nesse sistema de crenças do crioulo doido que os bad boys da ilha são criados. E é exatamente isso que eles cantam em suas músicas, acionando um mercado que, só em Kingston, consegue lançar duzentos singles novos por semana. É um sucesso, até mesmo entre os homossexuais e as mulheres.
Mas os EUA não são a Jamaica. Os rapazes do ragga estão sendo pegos no pulo – como Jimmy Cliff no Brasil, perseguido pelas patrulhas feministas quando contou que tinha várias mulheres, a exemplo do que faziam seus antepassados e fazem ainda muitos de seus primos espalhados pela África.
Para muita gente, Shabba, Buju Banton e outros DJs de primeira linha, como Mad Cobra, Bunny General, papa San, Ninja Man, Super Cat, todos eles neste momento pagam um preço por serem negros e do Terceiro Mundo, e que atrás dessa cruzada moralizadora está um raciocínio do tipo “tudo bem, não podemos impedir que vocês tenham sucesso por aqui, mas façam o favor de antes pentear o cabelo e lavar a boca com sabão!”
Por essa, os batutas jamaicanos não esperavam: “Estão levando tudo isso muito a sério”, falou o tal do Buju Banton. “As músicas são apenas um reflexo do que é nossa cultura.”
Engraçado que mesmo Yellowman, machista célebre e falastrão, já há alguns pares de anos esculachava o homossexualismo em “Don’t Drop Yu Pants”, para citar apenas um de seus sucessos que tratava do assunto. Ninguém falou nada.
Mas nem só de Sodoma e Gomorra vive a terra do reggae. O DJ Nardo Ranks (aquele do “Burrup”) condenou o machismo explícito de Buju Banton em “Them a Bleach” e foi para as paradas. Um certo Crazy saiu em defesa do homossexualismo com “Take Ah Man”: se você não pode com uma mulher, pegue um homem...”
Yula, uma zami queen de Nova York, aproveitou a oportunidade de ser entrevistada pelo Village Voice e propôs a criação de uma “ordem rasta gay”, citando iniciativas similares entre católicos e judeus.
A polêmica vai continuar. Há gás suficiente para alimentar o estilo deixa-que-eu-chuto dos bad boys e também não faltam voluntários de livre opção sexual dispostos a encarar essa parada.
Os rastas, parece, preferem não se meter. Conta-se que alguns devotos da lendária Doze Tribos de Israel – a facção a que Bob Marley pertenceu – descobriram-se aptos para o vale-tudo na cama. E sobreviveram para admitir a experiência à boca-pequena. Está lá nas escrituras: “quem não tiver pecados que atire a primeira pedra”...

4 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Como sempre...BOA DOC! Esta reportagem tenho em casa guardadinha, mas valei a releitura!

Abraços,

Luiz

21 de julho de 2005 às 09:18  
Anonymous Anônimo said...

finalmente botaste novidades por aqui!
keep going...

beijos

DR

22 de julho de 2005 às 09:28  
Anonymous Anônimo said...

finalmente botastes novidades por aqui!
keep going...

beijos

DR

22 de julho de 2005 às 09:29  
Anonymous Anônimo said...

Graaaannnndeeee Otavius...
SAUDACOES E RESPECT...
mantenha contato...

Nego mOÇAMBIQUE

23 de julho de 2005 às 03:14  

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